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Notícias

Livros sem teto

publicada em 30/04/2010

Bibliotecas Comunitárias de Búzios fecham as portas depois de 19 anos de atuação
e seu fundador não sabe o que fazer com o acervo composto por mais de 19 mil livros

Niete Martinez

Bibliotecas Comunitárias de Búzios fecham as portas depois de 19 anos de atuação e seu fundador não sabe o que fazer com o acervo composto por mais de 19 mil livros.
Búzios ainda era um distrito de Cabo Frio quando o garçom Antônio Oduvaldo Lira Pinto, transferido pelo restaurante Satyricon do Rio para sua filial no balneário, idealizou criar uma biblioteca comunitária. ‘Quando cheguei aqui não tinha nada para as crianças, nem prefeito tinha ainda. Aí eu pensei, eu vou fazer uma biblioteca para os estudantes’.
Contando com a ajuda do empresário Roberto Veiga, que cedeu uma loja na estrada da Usina pelo período de cinco anos, e utilizando os muitos livros que tinha em casa, Lira montou a primeira biblioteca comunitária de Búzios, na estrada da Usina, no ano de 1991, com apenas 40 livros. Em 19 anos, mais cinco unidades foram implantadas, nos bairros da Rasa, José Gonçalves, São José, Cem Braças e Vila Verde. Juntas, as bibliotecas totalizam um acervo de 19 mil livros e contabilizam mais de 60 mil visitantes. Declarada de utilidade pública pela prefeitura de Búzios em 1998, e pelo governo do Estado em 2008, o sonho de Antônio Lira acabou se transformando em pesadelo.
A vida de incentivador da leitura nunca foi fácil para Lira. ‘Vendi uma moto por 600 reais para registrar a Associação Pro Vida de Búzios, que tem em seu estatuto como finalidade, estimular o hábito de leitura e preservar os direitos da criança e do adolescente’, diz. Isso, para começar o projeto da primeira biblioteca. Depois, foi só despesa, conta o garçom, que mantém sua rotina profissional para fazer frente às despesas pessoais e das bibliotecas: ‘Eu já devo ter gasto uns 40 mil do meu bolso nesses anos todos. A última biblioteca que montamos no bairro de Cem Braças, em 2002, quem pagava as despesas era o professor Ricardo (Ricardo Rodrigues), o José Wilson e eu. Não tinha dinheiro de prefeitura. Tínhamos uma rede de bibliotecas e um acervo aproximado de 28 mil livros, e apenas em 2006 recebemos o primeiro dinheiro público’, explica.
Mesmo assim, Lira ainda encontrou tempo e disposição para implantar e executar projetos como o premiado Liberdade da leitura. ‘Passei oito anos levando livros para os presos aqui na delegacia da Rasa. Todos os sábados pela manhã eu levava livros de carpintaria, eletrônica, livros profissionalizantes’, relata.

Dinheiro Virtual

Desde 2006 a ONG Pro Vida vem constando nos orçamentos do município com a reserva de R$ 24 mil, a título de subvenção anual. Mas, isso não tem sido garantia de nada. ‘Dos quatro anos do Toninho só recebemos dois. E deste governo, não recebemos nada’, diz Lira.
A vereadora Joice Costa (PSDB) saiu em defesa das bibliotecas. ‘Acho que é um projeto importantíssimo. Eu mesma, quando jovem, fiz uso da biblioteca para pesquisas escolares. É uma pena o que está acontecendo’, lamenta.
No orçamento de 2010, os vereadores voltaram a incluir a Pro Vida, para receber subvenção. ‘Incluímos a Pro Vida, e outras entidades que fazem trabalhos que o município não faz, mas infelizmente até agora não saiu’. A vereadora lembrou também que, para complicar ainda mais a situação, a atual administração enfrenta questionamentos legais a respeito de subvenções pagas no governo anterior de forma irregular, o que tem dificultado repasses em geral.

Cem Braças e Rasa
Enquanto isso, a situação do acervo torna-se dramática. Com duas bibliotecas já desmontadas, e seus acervos guardados na biblioteca da Rasa, agora a Pro Vida enfrenta ação de despejo em duas bibliotecas (Cem Braças e Rasa), restando apenas a biblioteca do Centro, cujo aluguel é pago pela prefeitura, mas que neste ano de 2010 não fez ainda nenhum pagamento. Para piorar, os estagiários que prestavam serviço na biblioteca do Centro também deixaram de ser cedidos pela prefeitura, forçando o fechamento da mesma.
‘Eu não quero dinheiro, pedi à Carolina (Secretária de Educação): não quero a subvenção, me manda os estagiários. Têm estagiários dando cabeçada nas secretarias e para a biblioteca não tem’, disse Lira.

Livros x Política

Na administração passada, Lira aceitou um convite do secretário de Cultura da época, Luiz Romano, para ser superintendente de Cultura. Aceitou, e ali começou o seu calvário
‘Eu tinha um trabalho certo há cinco anos, deixei tudo para ir para a prefeitura. Chegando lá não tinha portaria, nem cargo, nem nada. Trabalhei três meses sem receber salário! Um dia me usaram para resolver um problema com a Câmara de
Vereadores. Precisavam explicar quem estavam contratando e me mandaram lá para servir de para-raio, porque todo mundo me conhece e ninguém ia ser contra mim. Depois, me colocaram para fazer uma feira, coisa que eu não sabia fazer. Acabei sendo mandando embora e fiquei sem receber os três últimos meses, de novo’, desabafa.
O ‘alinhamento’ com a política continua rendendo frutos. Lira diz que não consegue dialogar com a atual administração, adversária ferrenha da anterior. ‘O Mirinho não me recebe. Se ele paga 300 mil para o Circo que trabalha com 30 crianças ricas, por que não pode pagar 24 mil para uma instituição que tem seis bibliotecas e desenvolve um trabalho há 19 anos? Acho que nem é perseguição política, é perseguição pessoal’, reclama. ‘Eu estou muito chateado, já pensei até em pagar um caminhão e despejar 10 mil livros em frente da prefeitura’.
Lira tenta, agora, fazer a doação dos livros para a prefeitura. ‘Falei pro Isac (Secretário de Cultura), toma as bibliotecas para vocês, estou doando tudo. As mesas, as cadeiras, as lojas, eu estou saindo fora, é só vocês pagarem os alugueis. Não tenho onde colocar os 19 livros. Não tenho. Minha casa é pequena, não cabe. E também não tenho dinheiro para desmontar. Só de frete um caminhão custaria mais de 300 reais’, ressalta.

Prefeitura tem
projeto próprio

‘As bibliotecas do projeto Pro Vida, sem nenhuma dúvida, em algum momento prestou um serviço à comunidade, entretanto no governo Toninho o Lira se contentou com um emprego e a atenção dada ao projeto foi diminuta. Desta forma as bibliotecas foram caindo de qualidade e passou a não ter o mesmo valor de antes. Seu acervo é grande, porém sem muito conteúdo para os jovens que deveriam ser atendidos, o número de livro tipo Sydney Sheldon e outros é muito maior do que os didáticos’, argumenta o secretário de Turismo e Cultura de Búzios, Isac Tillinger.
O secretário lembrou que as bibliotecas municipais têm funcionado a pleno vapor, ressaltando, porém, quanto às bibliotecas comunitárias, que ‘visto sem olhos críticos, é melhor tê-las funcionando, que fechadas’. Isac explica que a intenção da prefeitura, no entanto, é ter uma grande biblioteca central e salas de leituras nas escolas. ‘Neste sentido, o prefeito Mirinho já autorizou a elaboração de um projeto de arquitetura para ocupar o espaço que fica em frente à pousada Mandrágora que abrigaria a biblioteca / videoteca / museu de imagem e som (memória buziana).
Com relação ao acervo das bibliotecas comunitárias o secretário contradiz Antônio Lira e afirma que a prefeitura tem interesse em recebê-lo. ‘Não entendo a afirmativa de Lira com relação a isso, inclusive o espaço para tal já esta sendo desocupado’, garante.

Para Secretário de
Cultura Isac Tillinger ‘é melhor ter as Bibliotecas
funcionando do que fechadas

O secretário acredita ainda está faltando diálogo e critica a dependência dos repasses municipais. ‘O Pró Vida tem vários anos de funcionamento e até agora não se organizou para buscar subvenções e realizar projetos junto ao Ministério da Cultura (que tem dinheiro a rodo). Note que eles têm titulo de utilidade pública municipal e estadual o
que facilita a captação destes recursos. O Lira tem que entender que os tempos são outros, e não adianta só ter vontade de fazer, tem que se profissionalizar, senão não se chega a nenhum lugar’, finaliza Tillinger.

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